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Foto do escritorBruno Crispim

a prática japonesa que te ensina a melhorar sua escrita

Atualizado: 13 de set. de 2022




Nos últimos duzentos anos, o ocidente encontrou um Japão muito fechado em si. Economia, política e costumes eram (e ainda são em grande parte) autocentrados. Essa retração ajuda a explicar a baixíssima taxa de miscigenação. E também dificulta o entendimento das especificidades do estilo de vida japonês.


Para ajudar na compreensão dessas distinções, estrangeiros passaram a criar modelos comparativos como forma de explicar a forma de pensar nipônica.

Um desses modelos é o Shu Ha Ri – os três estágios do treinamento.

Shu: a cópia

Ha: o domínio

Ri: a transcendência


No primeiro estágio (Shu), o aprendiz deve apenas seguir o seu mestre. Repetir sem questionar. É um processo de mímica. Se o mestre levanta a mão direita, você também a levanta. Essa é a razão de ser de as sequências de golpes das artes marciais serem tão repetidas. É através dessa repetição que o “corpo aprende”. Aos poucos, movimentos e técnicas vão se tonando mais naturais. Seu corpo começa a responder sozinho.

Na escrita, essa é a fase de usar fórmulas predeterminadas de enredo (como a jornada do herói e os 15 eventos de Save the cat!) ou de imitar o estilo do autor que tantos gostamos. Através dessa imitação, vamos descobrindo, na prática, o que funciona. Mais importante ainda, vamos descobrindo a nossa voz.


No segundo estágio (Ha), o corpo entra no estágio em que ele não pensa ao se mover, ele apenas faz. Ele age sozinho de forma eficiente. Os movimentos são naturais. Você se desprende da dureza das técnicas. É quando a inovação começa. Nas artes marciais, você teria uma faixa preta e dominaria esta forma de luta. Esse é o verdadeiro começo. Onde você consegue aprender com autonomia.

Na escrita, é quando você não precisa de fórmulas, técnicas ou estilos usados por outros escritores. É quando o feeling começa a te dizer o que vai funcionar e o que não vai. É o momento em que planejamentos complexos e detalhados perdem o sentido. O melhor é agir (escrever) logo e deixar a sua mente treinada seguir o seu próprio caminho.


Na última fase (Ri), você transcende o conhecimento que recebeu e o reinventa. Você se reinventa. A grande fonte de conhecimento deixa de ser a experiência dos outros e passa a ser a sua reflexão. Você é verdadeiramente livre para criar e adaptar.

Na escrita, você cria formas originais de contar a sua história única. Você idealiza a melhor forma de contar a sua história e a coloca na prática. Não existem barreiras à execução da boa escrita.


Essa, obviamente, é uma simplificação. Na vida real, o processo é mais orgânico e caótico. Não conheço um escritor que não foi apresentado às três etapas ao mesmo tempo. Também não conheço um escritor que teve um processo de aprendizado tão consciente.

Ao passar pelas três fases sem ter consciência delas, é fácil se desprender das dores do começo. É fácil esquecer do que foi preciso para você crescer. Por isso, não é raro que escritores experientes se declarem tão contra as fórmulas e as técnicas de construção de enredo. Com frequência, menosprezam à escrita de fanfics por escritores iniciantes. Ignoram, contudo, as técnicas de estilo que copiaram tantas vezes dos autores clássicos. Até acharem as suas vozes, escreveram fanfic sem saber.


O Shu Ha Ri nos ajuda a não esquecer que o caminho para o domínio da escrita começa com a repetição. No fim, a mímica inicial – seja ela qual for – é só uma parte do processo de aprendizagem.

O modelo me fez lembrar de Picasso – que conhecemos de forma superficial no Brasil. Antes dele atingir o seu estilo único (em que cada dimensão do objeto representado briga pela atenção do pintor), ele foi um exímio artista em diversos estilos. Foi uma grande surpresa conhecer suas lindas obras impressionistas ou seus testes de cores e de materiais. Até ele criar seu estilo próprio, ele dominou diversos outros. Até achar a tinta ideal, ele testou todas as outras – muitas criadas por ele mesmo.


Devemos usar o foco permanente no aprendizado de Picasso com um exemplo na nossa evolução como artistas. E com a consciência do Shu Ha Ri, a repetição inicial fica mais natural e menos sofrida.




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